segunda-feira, 16 de junho de 2014

Sobre Cães e Coelhos

Sobre Cães e Coelhos


Há uma interessante narrativa que, segundo alguns, teve como protagonista o pensador grego Epicuro. Conta-se que ele foi convidado a fazer uma palestra sobre educação. Na hora determinada, o filosofo chegou trazendo dois cães e dois coelhos.

Com as portas fechadas, Epicuro soltou o primeiro coelho. O animal ficou agitado correndo de um lado para outro até que se aquietou num canto. Então foi solto o primeiro cão. Este, rapidamente partiu em direção ao pequeno e indefeso animal. Em poucos instantes, o coelho estava completamente estraçalhado pelas garras e pelos dentes do cão, ante os olhos estupefatos dos espectadores da palestra. Epicuro, calmamente, afirmou: “Isto é um homem não educado”. Em seguida, prendeu o cão feroz e soltou o segundo coelho. Este também, após agitar-se de um lado para o outro, refugiou-se num canto da sala. O segundo cão foi solto. Localizou o coelho, partiu para cima dele e ... começou a brincar com ele! O coelho parecia muito à vontade para subir no cão e até ficar mordiscando sua orelha! Todos na sala estavam admirados e curiosos para ouvir o que Epicuro tinha a dizer sobre aquilo. O velho mestre disse,então, calmamente: “Este é um homem educado. O homem educado aprendeu a conviver”
Não sei até que ponto esta narrativa é verídica. Mas aqui em minha igreja conheço uma irmã que possui um coelho e um cão, Phipha e Phepho. Tenho uma foto deles em meu computador. Cada vez que vejo a foto fico pensando em como nós, mesmo com todo nosso ensino e aprendizado das verdades do evangelho muitas vezes não aprendemos a viver como irmãos. Mesmo com todos os códigos e regimentos criados, todas as normas de conduta ensinadas, agimos como a primeira dupla de animais da narrativa. Ao mesmo tempo, percebo que a segunda dupla talvez tenha muito a ensinar ao povo de nossas igrejas, a muitos pastores e, principalmente, a mim mesmo. Ocasionalmente, vejo em minhas ações que às vezes represento o coelho e em outras sou o cão feroz; movido pelo instinto e pela agressividade, estraçalhando e devorando.
Essa agressividade foi identificada por Augusto dos Anjos em seus Versos Íntimos: O homem, que, nesta terra miserável, mora, entre feras, sente inevitável necessidade de também ser fera.
Por que em determinados momentos nos tornamos fera? É decepcionante ver como, apesar de toda nossa ética, leis morais e pregação, continuamos quebrando códigos um após outro, negando o nome dAquele que pregamos. O poeta cunhou seus versos na observação da realidade que vivia e da angústia e desespero que sentia. Mas nós somos “em tudo atribulados, mas não angustiados” (II Coríntios 4.8). Torna-se ridiculamente paradoxal, para nós, a constatação de feras entre aqueles que levantam a bandeira da fé e do amor. Que tristeza as muitas vezes em que me tornei ou fui vítima de feras dentro da igreja!
Fico pensando que entre Phipha e Phepho não foi estabelecido um código de ética, não houve um contrato assinado; eles simplesmente aprenderam o respeito e a afetividade. Tornaram-se mestres para nós, humanos, com todas nossas normas, na arte da convivência.
A Bíblia diz que a raiz das guerras e contendas está nos nossos desejos. Isso nos remete ao cão que aprendeu a ver no coelho muito mais que uma boa refeição, mas um bom amigo. Talvez seja isso que nos falte, termos uma visão respeitosa do outro. Eu como pastor respeitando o ministério e as ovelhas do colega, eu como discípulo aprendendo a caminhar a segunda minha, aprendendo a largar também a túnica, aprendendo a descobrir caminhos de paz em lugar de apenas impor a minha vontade. Outro motivo para nossa falta de ética sejam as agressões sofridas. Antonio Vieira em seu sermão da sexagésima, ao comentar a semente que caiu sobre a terra seca lembra que terra dura é terra pisada, terra que foi pisada pelos homens, ou seja, corações pisados e magoados só sabem responder com dureza e rispidez. É triste a argumentação que Paulo faz em Gálatas 5.15 quando diz: “Se vós, porém, vos mordeis e devorais uns aos outros, vede que não sejais mutuamente destruídos”, de alguma forma passa-nos a imagem de uma igreja que havia se tornado um campo de cães devoradores. O império do ego em nossas vidas faz brotar o que de pior existe e desta forma a igreja perde rapidamente a sua essência de ser um lugar de respeito e edificação.
O caminho inverso deve ser percorrido, mesmo a um alto preço. É uma tarefa educativa. Exige, como todo aprendizado, disciplina e persistência. Volta e meia nos encontramos quebrando nosso próprio código de conduta a nível pessoal: comemos o que não devíamos, falamos o que não devíamos e gastamos nosso tempo de maneira leviana. Em seu livro: “O impostor que vive em mim”, Brennan Manning nos adverte para os momentos em que mentimos para nós mesmos simulando comportamentos e sentimentos. Para ele, essas imposturas pessoais são as raízes da falta de respeito pelo semelhante em outras dimensões:” Se dissimularmos as feridas por medo e vergonha, as trevas dentro de nós não podem receber luz nem iluminar os outros”.
Podemos criar e impor todos os códigos e ética e leis morais que nossa retórica puder estabelecer e defender, mas tudo isto será inútil se não aprendermos a maravilhosa lição de Phipha e Phepho.

Pr. Eliabe Oliveira e Silva
Igreja Batista do Santarém
 Fonte: www.batistasrn.org.br/site/index.php?option=com_content&view=section&layout=blog&id=10&Itemid=61

Nenhum comentário: