O Problema do Mal
O Problema do
Mal
Aspecto lógico e psicológico
Por Dr. Greg Bahnsen
Tradução de Elvis Brassaroto
Se Deus criou todas as coisas, e se o mal existe, não é
correto afirmar eu Ele também criou o mal? Se Deus é
amor e infinito em misericórdia, como poderia tê-lo
criado? Se isso é assim, não seria o próprio Deus a
fonte dos nossos males? O culpado da nossa desgraça?
A existência do mal de fato suscita um dos maiores
questionamentos contra a fé cristã, seja por parte dos
opositores intelectuais, dos adeptos de religiões
não-cristãs ou dos escarnecedores. O nosso objetivo,
nesta matéria, que visa aprofundar o debate sobre o
tema, é apresentar argumentos teológicos e apologéticos
suficientemente fortes e razoáveis, baseados na Palavra
de Deus. Não temos conhecimento pleno sobre muitas
questões, mas Deus também não nos deixou totalmente no
escuro quanto às grandes perguntas que permeiam a nossa
vida. Sua Palavra, como sempre, é a luz para o nosso
caminho e, como afirmou o sábio Salomão, grande
pensador, sobre a vida humana: “... A vereda dos justos
é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais
até ser dia perfeito” (Pv 4.18).
Um grande desafio
Talvez, o desafio mais profundo e incômodo que os
crentes enfrentam sobre a fé venha a forma de uma
pergunta: “Se Deus é realmente bom, por que o mal
existe?”. O sofrimento e a maldade que vivenciamos em
nosso meio parecem gritar contra a existência de Deus,
ao menos de um Deus benevolente e Todo-Poderoso. Muitos
acreditam que este seja o problema mais difícil que os
apologistas enfrentam, não somente por causa da aparente
contradição do ponto de vista cristão, mas também por
causa da perplexidade pessoal que qualquer ser humano
sensível sentirá diante da terrível miséria e
perversidade no mundo. A desumanidade do homem para com
seu semelhante é notória em todas as épocas passadas e
em todas as nações do mundo. Há uma longa história de
opressão, indignidade, crueldade, tortura e tirania.
Além disso, há tanta dor e sofrimento aparentemente
desnecessários, defeitos de nascença, parasitas, ataques
violentos de animais, mutações radioativas, doenças
debilitáveis e fatais, fome, terrorismo, ferimentos que
deixam pessoas inválidas, furacões, terremotos e outros
desastres naturais.
Quando o descrente contempla este infeliz “vale de
lágrimas”, sente que há uma forte razão para duvidar da
bondade de Deus. Por que deveria haver tamanha miséria?
Por que a riqueza deve-ria ser distribuída de forma
aparente-mente tão injusta? Você permitiria isso se
fosse Deus e tivesse em suas mãos o domínio para impedir
esses males?
Levando o mal a sério
De fato, é importante que o cristão reconheça a
realidade do mundo e também que a questão do mal não é
simplesmente um jogo de discussões; ou seja, uma forma
de ver a vida de maneira não ou menos justa. O mal é
real. O mal é horrível. Somente quando ficamos
intelectual e emocionalmente sensíveis a respeito da
existência do mal podemos avaliar a profundidade do
problema que os descrentes enfrentam em relação à visão
cristã de mundo, mas, do mesmo modo, percebemos por que
o problema do mal acaba confirmando este ponto de vista
cristão, ao invés de enfraquecê-lo.
Quando falamos sobre o mal com os descrentes, é crucial
que ambos os lados “falem sério”. O mal deve ser levado
a sério como “mal”. Uma passagem muito conhecida da obra
clássica Os irmãos Karamazóvi, do novelista russo Fyodor
Dostoyevsky, mexe com as nossas emoções de uma forma que
parece nos persuadir e nos torna convictos sobre a
maldade dos homens, como, por exemplo, os homens cruéis
com criancinhas. Em certo momento, sua obra narra uma
queixa do personagem Ivan ao seu irmão, Aliósha, sobre a
crueldade e a injustiça promovidas pelos homens. Ivan
declara que nem mesmo os animais selvagens conseguem
atingir a decadência que, às vezes, se observa no
comportamento de alguns homens. Exemplifica sua
reclamação com o caso de uma menina russa de apenas
cinco anos maltratada por seus pais. Eles açoitavam-na
constantemente e, por conta disso, seu peque-no e frágil
corpo estava sempre coberto de feridas. Dramatizando um
pouco mais o exemplo, Ivan conta que, em algumas noites
geladas da Rússia, os pais da menina trancavam-na no
banheiro e amarravam-na na privada simplesmente porque
ela, às vezes, molhava o colchão durante a noite, algo
normal em crianças de sua idade. Por conta disso, sua
mãe esfregava-lhe os próprios excrementos na cara e a
obrigava a comê-los. E fazia isso sem nenhum remorso.
Por fim, Ivan convida Aliósha a imaginar as lágrimas e o
sofrimento daquela inocente criança e lhe pergunta: “Se
o destino da humanidade estivesse em suas mãos, e se
para proporcionar felicidade ao mundo você tivesse de
permitir a tortura de uma criança, você consentiria
isso?1
Incidentes como este poderiam ser multiplicados por
muitas e muitas vezes. Eles produzem indignação moral
dentro de nós, e dos descrentes também. Estes fatos são
inegáveis para qualquer pessoa, independentemente da sua
confissão religiosa.
Uma vez, quando estava fazendo um programa de rádio com
a participação dos ouvintes por telefone, um deles ficou
muito irritado quando eu disse que deveríamos louvar e
adorar a Deus. O ouvinte queria saber como alguém
conseguia adorar um Deus que permitiu o abuso sexual e a
mutilação de um bebê, atrocidades que ele próprio (o
ouvinte) havia testemunhado em algumas fotografias
apresentadas durante a audiência de julgamento de um
pedófilo. A descrição era repugnante e, certamente,
suscitou revolta em todos que tiveram o desprazer de
ouvi-la. Eu sabia que o ouvinte queria pressionar sua
hostilidade contra o cristianismo sobre mim, mas, na
realidade, fiquei feliz por ele ficar tão irritado. Em
verdade, ele estava “levando o mal a sério”. A sua
condenação ao abuso sexual infantil não era simplesmente
uma questão de preferência pessoal. Por esta razão,
percebi que não seria difícil mostrar por que o problema
do mal, na realidade, não é um problema para o crente,
mas, ao invés disso, para o descrente. Explicaremos isso
mais detalhadamente depois.
O mal como um problema lógico
O “problema” do mal nunca foi propriamente compreendido
por muitos apologistas cristãos que, algumas vezes,
menosprezam a dificuldade dos céticos ao cristianismo
quando compreendem o problema do mal como sendo apenas
uma demonstração colérica contrária à suposta bondade de
Deus. De qualquer maneira, é assim que os crentes
professam a bondade de Deus. Mas os descrentes vêm com
os seus exemplos contrários a isso. Quem apresenta os
melhores argumentos dos fatos ao nosso redor? O problema
é apresentado (imprecisamente) como uma questão de quem
possui vidências mais fortes do seu lado acerca daquilo
que estão discordando. É como uma brincadeira de
“cabo-de-guerra”.
Este tipo de colocação subestima seriamente a natureza
do problema do mal. Não é simplesmente uma questão de
pesar as provas positivas contra as provas negativas da
bondade de Deus no mundo ou em seu plano divino (ou
seja, a redenção, etc.). O problema do mal é um desafio
muito mais sério para a fé cristã.
O problema do mal se soma às acusações de que há uma
“provável incoerência” no ponto de vista cristão, sem
levar em consideração a quantidade de maldade que existe
no Universo comparada à quantidade de bondade que pode
ser encontrada. Se o cristianismo é logicamente
incoerente, nenhuma prova positiva e factual pode salvar
a sua veracidade. A inconsistência interna, por si só,
tornaria a fé cristã intelectualmente inaceitável, mesmo
concedendo que possa haver uma grande quantidade de
indicadores ou provas em nossa experiência para a
existência da bondade ou de Deus.
O filósofo escocês do século 18, David Hume, expressou o
problema do mal mediante uma maneira forte e
desafiadora. Declara: “Se Deus quer evitar o mal, mas
não é capaz disso, então Ele é impotente. Se Ele é
capaz, mas não quer evitá-lo, então Ele é malévolo. Se
ele é capaz de evitá-lo e quer evitá-lo, como se explica
o mal?”.2 O que Hume estava argumentando é que o cristão
não pode, de forma lógica, aceitar estas três premissas:
Deus é onipotente, Deus é benevolente, e, no entanto, o
mal existe no mundo. Se Deus é Todo-Poderoso, então deve
ser capaz de evitar ou remover o mal, se desejar. Se
Deus é benevolente, então certamente deseja evitar ou
remover o mal. Todavia, é inegável que o mal existe.
Em seu livro, Atheism: the case against God [Ateísmo: o
caso contra Deus]: George Smith declara o problema do
mal da seguinte maneira: “Resumidamente, o problema do
mal é este: Se Deus sabe que o mal existe, mas não pode
evitá-lo, Ele não possui todo o poder. Se Deus sabe que
o mal existe e pode evitá-lo, mas não deseja fazê-lo,
Ele não é benevolente”.3 Smith acha que os cristãos não
podem, de forma lógica, crer nas premissas: Deus é
completamente bom, bem como completa-mente poderoso.
Então, a acusação que os descrentes fazem é que a
doutrina cristã é incoerente porque adota declarações
inconsistentes umas com as outras, devido à maldade que
paira neste mundo. O descrente argumenta que mesmo que
tivesse de aceitar as afirmações da teologia cristã, sem
levar em consideração a prova individualmente favorável
ou contrária à sua opinião, “essas premissas não se
admitem entre si”. O desafio do cristianismo é interno e
até mesmo o crente deve reconhecer, contanto que ele, de
forma realista, admita a presença do mal no mundo. Este
mal, acredita-se, é incompatível com a bondade de Deus
ou com o seu poder.
Para quem o mal é logicamente um problema?
Deveria ficar óbvio, quando refletimos, que pode não
haver um “problema do mal” para pressionar os cristãos,
a menos que alguém possa legitimamente afirmar a
existência do mal neste mundo. Não há, nem mesmo
aparentemente, um problema lógico, contanto que tenhamos
somente estas duas declarações para lidarmos:
Deus é completamente bom
Deus é completamente poderoso
Estas duas premissas, por si só, não criam qualquer
contradição. O problema aparece somente quando
acrescentamos a terceira premissa: O mal existe
(acontece)
Conseqüentemente, é decisivo para a argumentação dos
descrentes contra o cristianismo afirmar que existe mal
no mundo. Para eles, é crucial apontar para alguma
coisa, algum acontecimento, e ter o direito de avaliá-lo
como um exemplo da ocorrência do mal, pois se fosse o
caso de não existir nem acontecer nenhum mal, isso
significaria que aquilo que as pessoas inicialmente
acreditam ser mal, na realidade, não seria, e, então,
não haveria nada inconsistente com a teologia cristã que
exija uma resposta.
Neste ínterim, surgem novas questões relevantes:
O que o descrente quer dizer com o “bem” ou, baseado em
qual fundamento, ele determina o que considera ser o
“bem”, para que o “mal” seja conseqüentemente definido
ou identificado?
Quais são as bases pelas quais o descrente faz seu
julgamento moral?
Talvez, o não-crente tenha o “bem” como qualquer coisa
que seja unânime pela aprovação pública, geral; ou seja,
o “bem” é aquilo que a maioria aprova como “bem”.
Contudo, o fato de um grande número de pessoas sentir-se
de uma forma não convence, ou ao menos, racionalmente,
não deveria convencer ninguém de que seu sentimento a
respeito da bondade ou malignidade de alguma coisa é
correto. Afinal, a estatística não é, em si mesma, uma
ferra-menta eficaz para julgar o que de fato é “bem” ou
o que de fato é “mal”.
Geralmente, as pessoas pensam na bondade de alguma coisa
referindo-se às suas aprovações ¾ ao invés de suas
aprovações constituírem a sua bondade! Ou seja, as
pessoas pensam que algo é bom porque tem aprovação,
quando, na verdade, o correto seria entender que algo
tem aprovação porque é bom. Além disso, a intuição em si
não pode ser uma base para entendermos que as nossas
conclusões estão corretas. Veja como isso é subjetivo:
não temos somente de intuir (pressentir) a bondade da
caridade, mas também somos levados a intuir (pressentir)
que esta intuição é verdadeira! É a intuição na
intuição! Mas temos de considerar que nem todas as
pessoas, ou culturas, possuem intuições idênticas sobre
o bem e o mal. Estas intuições conflitantes não podem
ser resolvidas de forma racional dentro da visão
não-crente de mundo.
O descrente leva o mal a sério?
Os descrentes afirmam que simples casos da experiência
humana são incoerentes com as crenças teológicas do
cristianismo sobre a bondade e o poder de Deus. Tal
acusação requer que o cético afirme a existência do mal
neste mundo. Contudo, o que tem sido pressuposto aqui?
Ambos, crente e descrente, vão querer insistir que
certas coisas são más. Por exemplo, em casos como o de
abuso sexual infantil (como aqueles já mencionados). E
conversarão como se levassem tais julgamentos morais a
sério, não como expressão de gosto, preferência pessoal
ou opinião subjetiva, simplesmente. Insistirão que tais
coisas são verdadeira-mente concretas e basicamente más.
Até mesmo os descrentes podem ser chacoalhados em face
de atrocidades morais como guerras, estupros e torturas.
Mas a questão, logicamente falando, é como é possível o
descrente ser coerente consigo mesmo ao levar o mal a
sério, não simplesmente como algo inconveniente,
desagradável e contrário aos seus desejos. Qual
filosofia de valor ou moralidade o descrente pode
oferecer que fará disso algo significativo para condenar
qualquer atrocidade como concreta-mente má? Onde o
descrente busca base para isso? “Qual é a fonte em que
ele bebe?”.
O fato é que o descrente tente excluir Deus deste debate
a todo custo. Mas será que efetivamente consegue? A
indignação moral expressa pelos descrentes, quando se
deparam com as coisas más que se espalham neste mundo,
não são compatíveis com as teorias de ética que eles
mesmos sustentam. No fundo, são teorias que provam ser
arbitrárias (pessoais) ou subjetivas (individuais) ou
meramente tendenciosas em seu caráter. Na visão
descrente de mundo não há nenhuma boa razão para dizer
que qualquer coisa seja má na natureza, mas o descrente
só pode chegar á conclusão de que algo é mau por sua
própria escolha ou sentimento pessoal.
É por isso que me sinto encorajado quando vejo
descrentes indignados com algumas ações más como uma
questão de princípios. Para fazer sentido filosófico,
tal indignação, na realidade, aponta para o absoluto, o
imutável e bom caráter de Deus. A ex-pressão de
indignação moral é uma prova pessoal de que os
descrentes conhecem este Deus no mais íntimo de seus
corações, mesmo que neguem isso! Eles se recusam a
deixar que julgamentos sobre o mal se reduzam a uma
simples questão subjetiva; isto é, em uma questão
individual, pessoal ou particular. Quando o descrente
brada contra tudo isso, ele está, na realidade,
reconhecendo a existência de Deus.
Quando o crente desafia o descrente neste ponto, o
descrente geralmente desconversa e tenta discutir,
dizendo que o mal está, no final das contas, baseado no
raciocínio ou nas escolhas humanas, embora seja algo
relacionado ao indivíduo ou à cultura. E, neste ponto, o
crente deve jogar a incoerência lógica de volta para
dentro do quadro de crenças do cético.
Por um lado, o descrente acredita e fala como se algum
ato, como o abuso sexual infantil, por exemplo, fosse
errado em si, mas, por outro lado, acre-dita e fala como
se este ato fosse errado somente se o indivíduo, ou
cultura, escolhesse algum valor que fosse incoerente com
ele. Quando o descrente declara que as pessoas
determinam os valores éticos para si mesmas, está
afirmando, em outras palavras, que aqueles que cometem o
mal não estão, na realidade, fazendo nada de errado,
pois foram estes os valores que escolheram para si.
O que achamos, então, é que o cético deve secretamente
contar com a visão cristã de mundo para que o seu
argumento da existência do mal faça sentido! Ele condena
a visão cristã de mundo, mas usa elementos dela para
atacá-la.
O problema do mal é, assim, um problema lógico para o
descrente, ao invés de sê-lo para o crente. Por quê?
Porque, como cristãos, conseguimos perfeitamente dar
sentido às questões morais que nos incomodam. O
descrente, não. Isso não significa que consigo explicar
os caminhos e propósitos de Deus ao permitir a miséria e
a maldade neste mundo. Isso simplesmente significa que o
escândalo moral é coerente com a visão cristã de mundo,
com suas pressuposições básicas sobre a realidade, com
seu conhecimento e ética. O crente não vive em
contradição com tudo isso. Assim, o problema do mal é
precisamente um problema filosófico para a
incredulidade. Os descrentes precisariam apelar para
aquilo que eles mais se opõem em discussão para que seus
argumentos sejam justificados: um senso de ética divino,
transcendente. Em suma, eles dependem de Deus para
embasar seus argumentos.
Resolvendo uma suposta contradição
Neste ponto, o descrente pode afirmar que mesmo que ele
não consiga explicar de forma significativa, ou decifrar
a visão que o mal verdadeiramente existe, todavia, ainda
resta uma contradição dentro do quadro de crenças do
cristianismo. Nestes termos, o descrente admite sua
derrota, mas lança em rosto que os cristãos também não
têm a solução. Porém, dados os seus compromissos e
filosofias básicas, o cristão certamente pode e declara
que o mal é real, e mesmo assim o cristão acredita em
coisas a respeito do caráter de Deus, que juntas,
parecem incompatíveis com a existência do mal. O
descrente pode argumentar que o cristão ainda está, nos
termos propriamente cristãos, preso a uma posição por
manter as três proposições que seguem:
1. Deus é totalmente bom
2. Deus é Todo-Poderoso
3. O mal existe
De qualquer forma, a crítica aqui não percebe uma forma
perfeitamente razoável para concordar com todas essas
três proposições.
Se o cristão pressupõe que Deus é perfeito e
completamente bom, como as Escrituras requerem que
sejamos, então ele (o cristão) está comprometido em
avaliar tudo dentro de sua experiência à luz dessa
proposição. Conseqüentemente, quando o cristão observa
os acontecimentos maus ou as coisas no mundo, ele pode e
deve-ria conservar a coerência com suas pressuposições a
respeito da bondade de Deus, mas agora inferindo que
Deus tem uma razão moral-mente boa para o mal existir.
Deus deve ser Todo-Poderoso para ser Deus; não se deve
tê-lo como derrotado ou frustrado pelo mal no Universo.
A contradição aparentemente criada pelas três
proposições anteriores é real-mente resolvida ao
acrescentarmos esta quarta premissa às demais:
4. Deus possui uma razão moral e suficientemente boa
para a existência do mal
Quando todas as quatro premissas são mantidas, não há
nenhuma contradição lógica a ser encontrada. Na
realidade, faz parte da caminhada de fé do cristão e de
crescimento na santificação a declaração da quarta
proposta como uma conclusão contundente das três outras.
Lembre-se de Abraão, quando Deus o ordenou a sacrificar
seu único filho. Pense em Jó, quando perdeu tudo o que
trazia felicidade e prazer à sua vida. Em cada caso,
Deus teve uma razão perfeitamente boa para a miséria
humana envolvida. Era uma marca ou uma realização de fé
para eles não estremecerem em suas convicções da bondade
de Deus, apesar de não serem capazes de ver ou entender
por que o Senhor estava fazendo o que fez com eles. De
fato, mesmo no caso do maior crime de toda a história, a
crucificação do
Senhor da Glória (Jesus), o cristão professa que a
bondade de Deus não era incoerente com o que as mãos dos
homens sem-lei estavam fazendo. A morte de Cristo foi
maligna?
Certamente. Deus teve uma razão moralmente suficiente
para fazê-lo? Certamente. Com Abraão, nós declaramos:
“Não fará justiça o Juiz de toda a terra?” (Gn 18.25). E
esta justiça e bondade de Deus ficam além dos desafios
humanos: “Seja Deus verdadeiro, e mentiroso, todo homem”
(Rm 3.4).
O problema não é lógico, mas psicológico
Conclui-se que o problema do mal não é uma dificuldade
lógica, afinal de contas. Se Deus tem uma razão moral
suficiente para o mal existir, como a Bíblia ensina,
então, que a sua bondade e o seu poder não podem ser
contestados pela realidade de acontecimentos malignos e
coisas semelhantes na experiência humana. O único
problema lógico que aparece, relacionado às discussões
sobre o mal, é a incapacidade filosófica do descrente de
prestar contas à objetividade de seus julga-mentos
morais.
O problema que os homens têm com Deus, quando ficam face
a face com o mal no mundo, não é de ordem lógica ou
filosófica, mas psicológica. Podemos achar
emocional-mente muito difícil ter fé em Deus e confiar
em sua bondade e poder quando não nos é dada uma razão
para as coisas ruins que acontecem conosco e com os
outros. Natural-mente, pensamos: “Por que algo tão
terrível aconteceu?”. Os descrentes também imploram
dentro de si por uma resposta para tal pergunta. Mas
Deus nem sempre provê uma explicação para os seres
humanos acerca do mal que experimentam ou observam.
“As coisas encobertas pertencem ao SENHOR, nosso Deus” (Dt
29.29). Podemos não ser capazes de entender o jeito e os
misteriosos caminhos de Deus, até mesmo se Ele próprio
nos dissesse (Cf. Is 55.9). Todavia, o fato continua
apontando a miséria, o sofrimento e a injustiça como
parte de seu plano para a história e para as nossas
vidas, individualmente.
Assim, a Bíblia nos pede que confiemos que Deus possui
uma razão moralmente suficiente para o mal que pode ser
encontrado neste mundo, mas ela não nos diz que razão
suficiente é esta. O crente, muitas vezes, luta com esta
situação, andando por fé, não por vista. O descrente,
contudo, acha esta situação intolerável para o seu
orgulho, seus sentimentos e racionalidade. E se recusa a
confiar em Deus. De forma alguma, acreditará que Deus
tem uma razão moralmente suficiente para a existência do
mal, a menos que lhe seja dada uma razão para a sua
própria análise e avaliação. Resumindo, o descrente não
confiará em Deus, a menos que Deus se sujeite à sua
autoridade intelectual e à sua avaliação moral, a menos
que Deus consinta em trocar de lugar com o pecador.
O descrente faz parte do problema do mal
O problema do mal segue com a seguinte questão: se uma
pessoa deveria ter fé em Deus e em sua Palavra ou
preferir colocar sua fé em seus próprios pensamentos e
valores. Finalmente, isto se torna uma questão de
autoridade na vida de uma pessoa. E, neste sentido, a
maneira que o descrente luta contra o problema do mal é,
contudo, um testemunho contínuo da maneira pela qual o
mal entrou na humanidade. A Bíblia mostra que o pecado e
todas as misérias que o acompanham entraram neste mundo
por meio da primeira transgressão de Adão e Eva. E a
questão com que Adão e Eva foram confrontados, há muito
tempo, era precisa-mente a questão que os descrentes
enfrentam hoje; ou seja, deveríamos ter fé na Palavra de
Deus simplesmente, naquilo que Ele diz, ou deveríamos
avaliar o próprio Deus e a sua Palavra baseados em nossa
própria autoridade moral e intelectual?
Deus ordenou a Adão e Eva que não comessem de certa
árvore, testando-os para ver se eles tentariam definir o
bem e o mal por si só. Satanás veio e contestou a
bondade e a honestidade de Deus, sugerindo que Deus
tinha motivos básicos para manter Adão e Eva longe dos
prazeres da árvore. E, neste ponto, todo o percurso da
história humana dependia da possibilidade de Adão e Eva
confiarem e pressuporem a bondade de Deus. Uma vez que
não o fizeram, a raça humana tem sido visitada por
muitos tormentos, dolorosos demais para se relatar.
Quando os descrentes se recusam a aceitar a bondade de
Deus, assim como Adão e Eva fizeram, notas baseando-se
em sua própria revelação, simplesmente perpetuam a fonte
de toda a desgraça humana. Em vez de solucionarem o
problema do mal, passam a fazer parte do problema.
Portanto, não se deveria pensar que o “problema do mal”
é algo que justifique uma base intelectual para uma
falta de fé em Deus. Antes, é, de forma bastante
simples, a expressão pessoal de tal falta de fé. O que
vemos é que os descrentes que desafiam a fé cristã
acabam se contradizendo. Por serem desprovidos de fé em
Deus, começam a argumentar que o mal é incompatível com
a bondade e o poder de Deus. Quando são surpreenddos com
uma solução logicamente adequada e sustentada
biblicamente para o problema do mal, se recusam a
aceitá-la, novamente por causa de sua falta de fé em
Deus. Preferem permanecer com as incoerências de suas
pressuposições a se submeterem à suprema e imutável
autoridade moral de Deus. É um preço muito alto para se
pagar, filosófica e pessoalmente.
Notas:
1 DOSTOIÉVSKI,Fiódor M.Os irmãos karamazovi. Coleção Os
Imortais da Literatura Universal.Vol. 1.Abril
Cultural:Rio de Janeiro,1970,liv.V,cap. IV,p.181-4.
2 HUME,David.Diálogos sobre a religião natural.
[Tradução José Oscar de Almeida Marques ].São
Paulo:Marins Fontes,1992,p.136.
3 Buffalo,New York:Prometheus Books,1979.
Deus criou o
mal?
Gênese, ocorrência e finalidade do problema
Por Norman Geisler
Tradução: Elvis Brassaroto
“Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio
o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas” (Is 45.7).
Sempre que se debate o assunto do mal, a tendência é
apontar um responsável. Aliás, este é um comportamento
intrínseco à natureza humana: colocar a culpa em alguém
para se inocentar. No versículo que introduz esta
matéria vemos claramente que o Senhor re-clama ser o
criador de todas as coisas, inclusive do mal. Destarte,
o próprio texto bíblico já se incumbiu de responder à
nossa pergunta. Todavia, a questão é mais complexa do
que isso e não pode ser reduzida a objetividade desta
resposta. Há considerações que não podem ser
desconsideradas nesta resposta. O que podemos entender
da afirmação de que Deus criou o mal? O que é o mal? Em
quais sentidos Deus seria o responsável pelo mal? Por
que Deus não aniquila o mal? Por que Deus criou este
mundo?
Neste artigo, propomos uma rápida reflexão sobre esta
“culpa” que tanto massageia a ego dos céticos, e faremos
isto retomando alguns aspectos da matéria “O problema do
mal”, escrita por Greg Bahsen e publicada nesta edição
de Defesa da Fé como texto de capa.
A gênese do mal
Deus é bom, e criou criaturas boas com uma qualidade
denominada livre-arbítrio. Infelizmente, as criaturas de
Deus usaram este poder, que é bom, para trazer o mal ao
Universo. E como fizeram isso? Ao se rebelarem contra o
Criador. Então, o mal surgiu do bem, não direta, mas
indiretamente, pelo mau uso do poder bom chamado
liberdade.
Desta forma, Deus é responsável por tornar o mal
possível, mas as criaturas livres são responsáveis por
torná-lo real.
Diante disso, conclui-se que, de alguma forma, o mal se
relaciona a Deus, porém, se o crente prega que o mal não
é algo separado de Deus e, ao mesmo tempo, não pode
proceder de seu interior, então o que é o mal? O
problema da criação não pode ser simplificado nas
seguintes premissas:
1. Deus é o Autor de tudo o que existe
2. O mal é algo que existe
3. Logo, Deus é o Autor do mal
Concordar que Deus não criou todas as coisas é negar sua
soberania. Todavia, admitir que Ele causou todas as
coisas e que o mal faz parte dessas coisas é reconhecer
que Deus causou o mal. Entretanto, os crentes respondem
que o mal não é uma coisa ou substância, antes, é a
falta ou a privação de algo bom que Deus fez. Assim, o
mal é a corrupção das substâncias boas que Deus criou. É
como a ferrugem em um carro ou a podridão em uma árvore.
O mal não é algo em si só. Existe somente em companhia
de outra coisa, mas nunca sozinho.
Dizer que o mal não é algo, mas uma falta nas coisas,
não é o mesmo que afirmar que ele não é real. Temos de
entender que privação não é o mesmo que simples
ausência. A visão está ausente na pedra assim como no
cego, mas a ausência de visão na pedra não é privação,
pois a privação é a ausência de algo que deveria estar
ali. Já que a pedra, por natureza, não deveria ver, ela
não está privada de visão. Logo, o mal é a falta real
nas coisas boas, como o cego pode testemunhar. O mal não
é uma entidade real, mas a corrupção real em uma
entidade real.
Esta corrupção que atinge o homem para que possa
transformar a possibilidade do mal em realidade se chama
ação. Mas é preciso tomar cuidado para não levar a
depravação humana tão longe a ponto de destruir a
habilidade de pecar. Um ser totalmente corrompido nem
existiria. Não pode haver o mal supremo, pois, apesar de
o mal reduzir o bem, jamais poderá destruí-lo
completamente, porque se o bem fosse totalmente
destruído o próprio mal desaparece-ria, já que seu
sujeito, ou seja, o bem, não existiria mais.
A ocorrência do mal
Por que Deus, na sua onipotência, não destrói o mal?
Mesmo um ser onipotente como Deus não é capaz de fazer
qualquer coisa para mudar esta tendência humana.
Explicando. Deus jamais forçaria as pessoas a escolher
livremente o bem, porque a liberdade forçada seria uma
contradição à sua Palavra. Logo, Deus não pode destruir
literalmente todo o mal sem aniquilar o livre-arbítrio.
A única maneira de destruir o mal seria destruindo o bem
do livre-arbítrio. Logo, se Deus destruís-se todo o mal,
teria de destruir também todo o bem do livre-arbítrio
Mas, apesar de Deus não aniquilar o mal, Ele pode (e
irá!) derrotá-lo e, ao mesmo tempo, preservar o
livre-arbítrio. Assim, ainda que o mal não possa ser
destruído sem destruir o livre arbítrio, ele pode ser
derrotado.
A finalidade do mal
Deus tem uma determinação para tudo e, por conta disso,
nos permite conhecer um bom propósito para a maior parte
do mal. Por exemplo, a habilidade que temos de sentir
dor possui um bom propósito. C.S. Lewis declarou que “a
dor é o megafone de Deus para advertir o mundo
moralmente surdo”.
Além disso, temos de ponderar que parte do mal é produto
do bem e que Deus é capaz de extrair coisas boas do mal.
Também, temos de entender que nem todo evento específico
no mundo precisa ter um bom propósito. Apenas o
propósito geral precisa ser bom. Certamente, Deus tinha
um bom propósito para criar a água (sustentar a vida),
mas afogamentos são um dos subprodutos malignos. Assim,
nem todo afogamento específico precisa ter um bom
propósito, apesar de a criação da água ter tido. A bem
da verdade, muitas coisas boas seriam perdidas se Deus
não tivesse permitido que o mal existisse.
Isso não significa que este mundo seja o melhor mundo
possível, mas que Deus o criou como a melhor maneira de
atingir seu objetivo supremo do bem maior.
O mal como um problema que pode ser evitado
Se Deus, por sua onisciência, sabia que o mal ocorreria
no mundo, então, por que criou este mundo? O Senhor
poderia não ter criado nada; ou ter criado um mundo onde
o pecado não pudesse ocorrer. Ou, ainda, criar um mundo
onde o pecado ocorresse, mas que todos fossem salvos no
final. Logo, segundo os descrentes, Deus não fez o
melhor.
Entretanto, é necessário ter em mente que Deus não
precisa fazer o melhor, mas apenas fazer o que é bom.
Mas será que outra alternativa seria realmente melhor
que este mundo? Absolutamente.
A ausência de mundo não pode ser melhor que o mundo.
“Nada” não pode ser melhor que “algo”.
Um mundo livre, onde ninguém peca, ou mesmo um mundo
livre, onde todos pecam e depois são salvos é
concebível, mas não é atingível. Enquanto todos forem
realmente livres, sempre será possível que alguém se
recuse a fazer o bem. Se Deus não permitisse o mal,
então as virtudes mais elevadas não poderiam ser
atingidas. Não há como experimentar a alegria do perdão
sem permitir a queda no pecado.
O cristão sabe da realidade do mal e, dentro de sua
limitação, se esmera por evitá-lo. Ninguém pode
demonstrar um mundo alternativo melhor que o mundo
proposto pelo cristianismo. Não podemos nos esquecer que
Deus ainda não terminou a sua obra, e muitos menos que
as Escrituras prometem que algo melhor será alcançado. A
fé do crente é que este mundo é o melhor caminho para o
melhor mundo atingível.
Fonte:
Baker Encyclopedia of Christian Apologetics: Baker,
1999.
DOSTOIÉVSKI, Fiódor M. Os irmãos Karamazovi. Coleção Os
Imortais da Literatura Universal.Vol. 1 Abril Cultural:
Rio de Janeiro,1970, liv.V,cap. IV,p.181-4.
HUME, David.Diálogos sobre a religião natural. [Tradução
José Oscar de Almeida Marques] São Paulo: Martins
Fontes,1992,p.136.
Buffalo, New York: Prometheus Books,1979.
Instituto Cristão de pesquisa: http://www.icp.com.br/72materia1.asp
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