Loucuras
da Moda: Pecado e Caráter nos Anos 90
por
Cornelius
Plantinga, Jr.
INTRODUÇÃO:
FALHA NO
CONHECIMENTO DO PECADO
No livro
que estou escrevendo, tento recuperar uma antiga conscientização cristã, que
ultimamente tem sido esquecida, cujo enfoque tem sido mudado:
A
conscientização do pecado costumava ser a nossa sombra. Os cristãos odiavam o
pecado, temiam-no, fugiam dele, angustiavam-se com ele. Alguns de nossos avós
se agoniavam por seus pecados: o homem que perdia a paciência poderia
perguntar-se se ainda poderia tomar parte na Santa Ceia. A mulher que durante
anos invejara sua irmã mais atraente e mais inteligente poderia preocupar-se
quanto a esse pecado ameaçar até a sua salvação.
Mas,
agora, boa parte desse clima pesado se desfez. Hoje em dia, a acusação “você
pecou!” é freqüentemente expressa com um sorriso, e em tom que indica uma piada
camuflada. Já houve um tempo em que essa acusação ainda tinha o poder de chocar
as pessoas. Católicos faziam fila para confessar seus pecados; pregadores
protestantes se erguiam para confessar nossos pecados. E o faziam com
regularidade. Sabiam que confessar pecado é como tirar o lixo, uma só vez não
basta.
Muitos de
nós recordamo-nos de sermões nos quais os pregadores se mostravam visivelmente
irados contra o pecado da congregação. Quando esses pregadores chegavam ao
auge, com o rosto vermelho e o dedo em riste, faziam acusações de forma direta:
"Vocês são pecadores, imundos, culpados, miseráveis e escorregadios!"
É claro
que os antigos pregadores pareciam às vezes esquecer-se de que sua audiência
incluía crentes sinceros e amadurecidos. (Imagine que linguagem eles teriam
reservado para Himmler ou Idi Amim!) Ainda assim, ninguém jamais tinha dúvidas
sobre o que aqueles pregadores falavam. Eles falavam sobre pecado. Nas
confissões coletivas de hoje, é mais difícil saber. A linguagem mais atual de
Sião usa evasivas. Com um tom penitente, as pessoas hoje dizem coisas como:
"Confessemos nossas intercomunicações perdidas na dinâmica do
relacionamento humano, e especialmente nossa debilidade em trabalhar uns com os
outros." Ou, "Eu apenas gostaria de compartilhar que precisamos fazer
da santidade um alvo como área de crescimento." No que se refere ao
pecado, agora todos resmungam.
Algumas
igrejas parecem ter dispensado totalmente a confissão de pecado. Talvez lhes
pareça algo desajeitado, ou doloroso. Talvez elas achem que as pessoas já sabem
que são pecadoras e não precisam ser relembradas disso. Ou talvez sua igreja
tenha adquirido a reputação de ser daquelas que dá uma boa polida na
auto-estima das pessoas e que, portanto, veja a pública confissão de pecado
como uma mancha nessa reputação.
O fato é
que a falha em nossa conscientização do pecado, como todas as loucuras da moda,
é tanto agradável quanto devastadora. A
auto-ilusão a respeito do nosso pecado é um narcótico, uma supressão
tranqüilizante e desorientadora do nosso sistema nervoso espiritual. O aspecto
devastador resulta de que, quando não temos ouvido para detectar as notas
erradas em nossa vida, não podemos tocar as notas certas, nem mesmo
reconhecê-las na execução dos outros. Eventualmente, tornamo-nos tão pouco
musicais religiosamente falando que perdemos os temas principais que Deus toca
na vida humana. A música da criação e a música maior ainda da graça atravessam
zumbindo os nossos crânios sem causar o menor impacto, sem deixar qualquer
resíduo. A beleza moral começa a nos entediar; e a idéia de que a raça humana
precisa de um Salvador passa a parecer esquisita.
Mas se
tentarmos recuperar o conhecimento do pecado nos dias de hoje teremos de vencer
grandes barreiras. Sem nenhum exagero, a consciência moderna não encoraja a
antiga reprovação moral; em particular, não encoraja a auto-reprovação. Os
pregadores resmungam ao falar sobre pecado. Os outros guardiões tradicionais da
conscientização moral freqüentemente o ignoram ou limitam. Já houve uma época
em que os professores de curso colegial nas escolas públicas tentavam mostrar
aos alunos algo do grande drama moral do universo. Esses professores desejavam
que os alunos conhecessem o bem e o mal, descrevessem as guerras entre os dois,
e julgassem o resultado dessas guerras. A idéia era refinar o caráter e aguçar
o julgamento dos alunos, fazer deles pessoas mais profundas e melhores
cidadãos.
Hoje, boa
parte da educação pública é treinamento de emprego, e a guerra entre o bem e o
mal, com demasiada freqüência, tem ficado reduzida a guerrilhas fronteiriças
entre os politicamente corretos e os politicamente desafiados. Os politicamente
desafiados são, claro, esses quadrados que ainda usam palavras curtas quando
falam. Eles usam palavras como velho, jovem, preto, branco, gordo, magro, certo
e errado. Mas os politicamente corretos têm mais tempo livre e portanto
preferem expressões mais vagas. Para eles, "lã branca", por exemplo,
é "fibra animal não humana furtada, pobre em melanina".
Naturalmente,
se a pessoa escolher oito palavras longas onde duas curtas resolviam
antigamente, não vai passar depressa pela faculdade. Aprender a nova linguagem
demora: Na verdade, não deixa nenhum tempo livre para fazer julgamentos morais.
De fato, os mestres da nova linguagem (aqueles, por exemplo, que descrevem um
preguiçoso como alguém motivacionalmente despojado e uma prostituta como
provedora de cuidados sexuais) - mestres da nova linguagem inclinam-se a fazer
julgamentos morais apenas daqueles que fazem julgamentos morais. Dizem coisas
deste tipo: "É sempre errado fazer julgamentos morais."
Os
tradicionais guardiões da conscientização moral não nos têm ajudado a manter o
conhecimento do pecado nem a recuperá-lo quando o perdemos. Os políticos, em
particular, perderam um bom número de oportunidades nesta área. Talvez você tenha notado que
funcionários públicos raramente confessam o que fizeram de errado. Após terem
sido acusados de algum tipo de mau comportamento, eles raramente dizem:
"Eu fiz isso. Estou profundamente envergonhado de mim mesmo. Traí vocês e
desonrei meu alto cargo, por isso venho pedir minha demissão."
Não, essa
não é a tônica hoje em dia. Claro que não é como se os funcionários públicos
evitassem completamente a confissão. Eles confessam, sim, ser mal compreendidos. Confessam,
sim, ser perseguidos pela mídia. Confessam os pecados de outros políticos.
Também confessam humildemente ser vítimas de suas próprias virtudes - como
quando o Presidente Nixon alegou, no escândalo Watergate, ter usado o coração,
não a cabeça, e ter tentado fazer o que achou ser "o melhor para a
nação". Em seguida, renunciou, disse ele, como um "sacrifício pessoal".
Há seis
semanas, dezesseis mulheres acusaram um senador dos Estados Unidos de flagrante
assédio sexual. A reação do senador foi típica e reveladora. Primeiro ele negou
terminantemente as acusações. Depois atacou a credibilidade de suas acusadoras.
Por fim, ofereceu um extraordinário pedido de desculpas. Confrontado com
acusações de por anos ter estado a beijar e apalpar membros da sua equipe; de,
sem convite para fazê-lo, ter às vezes pisado nos pés delas ao mesmo tempo em
que tentava remover-lhes as roupas - confrontado com acusações desse tipo por
dezesseis mulheres, o senador não admitiu ter feito nada errado, e disse que
jamais teve a intenção de fazer com que qualquer pessoa se sentisse
desconfortável. Mesmo assim, ele avisou a mídia que "procuraria ajuda
profissional para descobrir se seu suposto comportamento estava relacionado ao
uso que fazia do álcool." (Newsweek, 7/12/92).
Reflita
sobre isso novamente. Nada aconteceu, mas de qualquer forma ele não tinha más
intenções, e, ainda assim, poderia ter estado com a cara cheia na ocasião, e
portanto deixado de perceber a importância desses atos não incidentais. Tudo
isso é um tanto difícil de entender. Lembra-me a ocasião em que Winston
Churchill enviou um pudim de volta à cozinha, reclamando que lhe faltava um
tema.
Samuel
Johnson tinha razão: precisamos com muito mais freqüência ser relembrados do
que instruídos. O pecado não é exceção. Na verdade, para a maioria de nós um
lembrete salutar de nosso pecado e culpa seria adequadamente esclarecedor, e
até mesmo tranqüilizador. O motivo é que, ao contrário de algumas outras
identificações de problemas humanos, um diagnóstico de pecado permite
esperança. Algo pode ser feito por esse problema. Algo já foi feito por ele.
COMPLICAÇÕES
NA RECUPERAÇÃO
Mas os
lembretes precisam chegar na hora certa. O tratamento do pecado e do caráter
nos anos 90 deve desfazer alguns nós que não preocupavam Agostinho e Calvino.
Eles não se preocupavam com o achatamento da majestade humana na moderna teoria
evolucionária ou com a corrupção humana no humanismo do Iluminismo. Eles não
conjeturavam sobre a tendência californiana de confundir salvação com
auto-estima.
Agostinho
e Calvino falavam bastante sobre idolatria, e sobre o orgulho como a sua forma
mais provável. Aproximadamente até o advento do Iluminismo, o orgulho
humano-aquela mescla de narcisismo e presunção que detestamos nos outros e por
vezes protegemos carinhosamente em nós mesmos - era tradicionalmente
considerado o primeiro dos sete pecados mortais. Que pecado, afinal, causa mais
guerras, invejas, fratricídios, tiranias, depurações étnicas e subversões
gerais da comunhão? Que pecado faz Deus parecer mais irrelevante? Deus deseja
encher-nos com o seu Santo Espírito, mas quando somos orgulhosos já estamos
cheios de nós mesmos. Não há lugar para Deus. O orgulho, acreditava Agostinho,
é o grande inimigo político na Cidade de Deus, o usurpador que deseja tirar
Deus do trono e colocar ali a própria pessoa.
Agora
tudo isso mudou. Claro que o orgulho em si ainda está conosco. As pessoas ainda
têm casos amorosos consigo mesmas. Lentes universitários ainda saem de reuniões
pensando menos sobre o que ouviram do que sobre o que eles próprios
falaram. O que
mudou é que em muito da cultura contemporânea o orgulho já não é visto com
alarme. De fato, as pessoas por vezes o elogiam e cultivam. Como falar de
pecado numa cultura na qual os gurus da psicologia popular empacotam o orgulho
e vendem-no a consumidores, ensinando-lhes a "encontrar a Criança
Maravilha" aninhada dentro de si? (John E. Bradshaw).
Ou numa cultura na qual críticos literários acham que o que você traz a um
texto de Milton é mais importante do que o que o texto lhe traz? E que tal
aqueles pregadores tendenciosos que acham ser o principal problema com os
inescrupulosos da previdência o fato de terem baixa auto-estima?
Naturalmente,
as questões aqui são emaranhadas e complicadas de diversas maneiras. A Bíblia e a tradição cristã nos dizem
que o orgulho é um inimigo de Deus. E é mesmo, não importa quanto esteja na
moda. Segundo a sabedoria cristã tradicional, o principal problema com a
presunção é não reconhecer nem pecado nem graça; na verdade, ela os achata a
marteladas e os descarta.
Todavia,
considere algumas complicações aqui. Suponha que definamos orgulho como presunção
narcisista. O orgulho tipicamente tanto inclui a auto-absorção - isto é, o
narcisismo, quanto uma superestimativa da capacidade ou valor da própria pessoa
- isto é, presunção. Assim, o orgulhoso pensa muito sobre si próprio e também
pensa muito de si próprio. Mas uma complicação conhecida é que em algumas
pessoas a parte narcisista do orgulho parece brotar da insegurança; a pessoa
pode pensar muito sobre si mesma simplesmente por preocupar-se em não ser
suficientemente boa. Ela pode então superinflar a avaliação que faz de si mesma
a fim de compensar. Seu orgulho pode começar a demonstrar uma característica
tênue e desesperada. Resumindo, o orgulho é muitas vezes uma composição
altamente instável. Ou, em outras palavras: hybris é um híbrido. Poderia ser patético
ou titânico, ou de certa forma oscilar entre os dois. Pessoas que se referem a
gente famosa com intimidade, por exemplo, geralmente soam um tanto oscilantes
na forma mencionada.
Outra
complicação é o fato de que a mesma tradição que nos deu o orgulho como pecado,
e a humildade como virtude, tem sido freqüentemente dominada por brancos que
pregavam humildade aos pretos, por homens que pregavam submissão às mulheres,
por pessoas rígidas e pouco imaginativas que consideravam todo impulso
criativo, toda luta por dignidade pessoal uma vergonhosa exibição de
arrogância! Para elas, qualquer pessoa que desejasse mero auto-respeito era
impudente. Os orgulhosos, como se sabe, amam a humildade nos outros e
freqüentemente tentam vender-lha.
Então,
numa das ironias trágicas do pecado, os humilhados às vezes replicam usurpando
o próprio orgulho que odiavam. Eles buscam auto-respeito adequado, mas acabam
indo longe demais - como no caso dos oprimidos que se revoltam contra a tirania
e depois se tornam tiranos, ou como no caso de certas feministas que reagem ao
orgulho do machismo dominante buscando a Deus em si mesmas, e que de alguma
forma acabam acreditando serem elas próprias idênticas a
Deus. No pecado e
na estrada molhada, as pessoas ao sair de uma derrapagem tendem a virar demais
a direção.
CULTO DOMESTICADO DE UM DEUS DEMOCRATIZADO
A
democracia elevou nossa sensibilidade a pecados contra a igualdade. As pessoas,
cristãos inclusive, vêm promovendo aqui e ali um progresso doloroso,
esfarrapado, urgentemente necessário na batalha contra pecados como o sexismo,
o racismo, a tirania política e a violação incestuosa de crianças. Mas as
antigas ironias persistem: torne as pessoas conscientes de igualdade da
personalidade e do valor pessoal, e o que vem a seguir é elas tentarem alcançar
o céu e puxar Deus para essa mesma órbita. Elas acreditam tão ferozmente em
democracia e igualdade que tentam democratizar Deus - Aquele que é
indizivelmente transcendente e santo.
O
problema com esse movimento é tanto invejoso quanto auto-anulador. Ele inveja o
esplendor transcendente de Deus e portanto tenta reduzir Deus a dimensões
humanas. É anulador porque, naturalmente, um Deus democratizado não é melhor do
que nós somos e portanto não nos pode ajudar.
Muitos de
nós temos conhecimento da história de um liberalismo teológico no qual o perfil
de Deus foi reduzido de várias maneiras. É triste dizer, mas alguns evangélicos
têm seguido esse caminho ultimamente. Algumas das novas versões revisadas de
Deus estão aparecendo nos mercados evangélicos domésticos. Nesses mercados,
Deus não é o nosso Senhor mas o nosso amigão - talvez até o nosso menino de
recados cujo trabalho é nos tornar ricos ou felizes ou religiosamente
entusiasmados ou auto-realizados de alguma outra maneira.
Não é
surpreendente que o culto a esse Deus domesticado tenha fortes probabilidades
de transformar-se num espetáculo religioso de variedades cujo principal enfoque
esteja sobre nós e no que nos faz vibrar. Por que outro motivo haveria o
formato de clube noturno para o culto público? Por
que outro motivo têm os guerreiros de oração fugindo da fadiga dos combates?
Por que, como pergunta David Wells em um novo livro, por que certos pregadores
evangélicos acentuam seus sermões com proezas estarrecedoras como súbitas
ascensões a clarabóias via arames invisíveis? Por que ilustrar a profecia de
João Batista de que o machado está agora posto à raiz da árvore - por que
ilustrar essa profecia ligando uma moto-serra, caminhando até algumas árvores
plantadas em vasos ali pelo palco e atorando-as enquanto a congregação arqueja
e ruge deleitada?
Você já
notou que os anúncios de igrejas na imprensa de Grand Rapids agora às vezes
promete divertimento
aos cultuadores? Notou também que alguns desses mesmos anúncios aparecem na
página de diversões?
Ora,
estou inteiramente consciente de que os tópicos nesta vizinhança aquecem o
sangue das pessoas que ficam dos dois lados deles, portanto pensemos com
seriedade sobre esses tópicos por alguns minutos.
Anos
atrás, os cultos de adoração conhecidos da maioria de nós começavam com as
palavras: "Nosso socorro está no nome do Senhor que fez os céus e a
terra." Em alguns ambientes hoje, as primeiras palavras que provavelmente
ouviremos vêm de um homem sorridente que diz, em lugar disso, algo como:
"Oi, sou o João. Puxa, acabei de chegar aqui ou o quê? Olhem, há apenas
quinze minutos eu ainda estava mal cheiroso, e minha esposa Júlia me dizendo:
'João, você tá sabendo que horas são?'"
O que
devemos deduzir disso? É apenas uma mudança em tom e em preferência? Estamos
falando apenas sobre uma seqüência de simplificações retóricas enquanto nos
aprofundamos cada vez mais nos vales desta era informal? Ou estamos enfrentando
questões teológicas aqui - aquelas que de certa forma se referem ao pecado e à
graça, e, acima de tudo, à identidade de Deus?
Sei que
certas formas de culto entre nós eram às vezes quase insuportavelmente
maçantes, que alguns de nós pregávamos sermões "de grande poder sedativo"
(conforme expressão usada certa vez por Peter DeVries), que os visitantes
podiam esperar ser clamorosamente ignorados, que eventos litúrgicos eram às
vezes espalhados miscelaneamente por todo o culto, e que, nos piores casos, o
ministro podia desembestar por essa miscelânea como um ardoroso hipopótamo. Sei
disso.
As mais
novas formas de culto ou de reunião religiosa - onde quer que essa distinção
seja feita- seguem outra direção. Muitas das formas mais novas são feitas para
atrair pessoas que estão buscando algo. Essas formas invadem os arsenais da
cultura popular em música, drama, retórica e estratégias para estacionamento de
igrejas e fluxo de tráfego - elas invadem esses arsenais a fim de fazer
pré-evangelismo contemporâneo e fazê-lo com imaginação. Algumas pessoas
criativas têm-se dedicado a projetos desse tipo, e merecem respeito por fazerem
o esforço missionário. Uma porção de cristãos ficam sentados por aí, confusos;
o pessoal do culto contemporâneo está lá fora, tentando. Seu trabalho é difícil,
arriscado e importante. Ninguém pode visitar o projeto piloto em Willow Creek,
no estado de Illinois, sem concluir que parte desse trabalho é também
inteligente.
Com o
devido respeito a esforços desse tipo, admitindo que não precisamos voltar aos dias em que
dizíamos continuamente palavras arcaicas como "cumpre-nos" e
"rogamos", admitindo que muitas das formas mais recentes de culto
ainda estão bem distantes dos parques de diversões cristãos de que certos
fundamentalistas tanto gostam - admitindo tudo isto e
qualquer outra coisa que eu devesse admitir, penso que ainda nos defrontamos
com algumas questões difíceis na área do culto contemporâneo. As questões importantes, pelo menos
para mim, são primeiro teológicas, não estéticas. Afinal,
ninguém vai elevar a discussão contemporânea ao lamentar que, no tocante à
liturgia, os reis e capitães se foram e a gentalha assumiu o posto.
Não!
Pensemos teologicamente por alguns minutos sobre tendências no culto ou
semiculto contemporâneo. Suponhamos, por exemplo, que se tente manter em mente
aqueles que estão buscando algo, e suponhamos que se presuma serem eles pessoas
geralmente não religiosas. Suponhamos que se presuma ainda que se desejamos
atrair essas pessoas não religiosas, nossos cultos contemporâneos devem tornar-se
também cada vez menos religiosos, pelo menos não religiosos de qualquer forma
tradicional. Claro que é difícil tornar um culto da igreja não religioso - é
como fazer uma partida de bola ao cesto não atlética - mas para poder atrair os
secularistas, suponhamos que se faça o esforço.
Você
começa a fazer mudanças nos seus cultos. Os não religiosos não têm muita idéia
da santidade de Deus, por isso você elimina a oração silenciosa e expressões da
nossa pequenez. Os secularistas não gostam de confessar seus pecados, por isso
você retira a parte de confissão. Sem confissão de pecado, quase não precisamos
das notas da graça incluídas na garantia de perdão: fora com elas.
Em geral,
presumimos que os não religiosos gostam de coisas simples e animadoras. É aí
que muito da cultura popular se encontra, afinal, por isso fora com o lamento,
fora com as perguntas difíceis, expressões de angústia, sombrias ambigüidades
de qualquer espécie. Enquanto estamos com a mão na massa, fora com credos e
confissões, fora com referências explícitas à doutrina cristã, ou à história da
igreja cristã.
Por outro
lado, aqueles que buscam estão interessados em melhorar a si mesmos, por isso
maximizamos promessas de crescimento pessoal e auto-realização. Os secularistas
gostam de música popular, portanto aqui ela entra no santuário, juntamente com
artistas musicais semifamosos e aplauso da audiência para suas apresentações.
Os não religiosos também gostam de figuras dos esportes, portanto nos cultos
maiores de orçamento, lá vem Tommy LaSorda, que há muitos anos dirige os Los
Angeles Dodgers - aí vem LaSorda para nos contar como "o Grande Dodger lá
do céu" o ajudou a ganhar jogos e a emagrecer.
E assim
vai, em várias combinações de novidade, algumas leves e algumas verdadeiramente
muito agressivas. No mais elevado nível de culto popular, imagine um grito de
torcida por Jesus substituindo o Credo Apostólico, e imagine a hora de louvor
começando quando alguém grita: "Me dá um D! Me dá um E. . .!
Surgem
inquietantes perguntas: Quanto
desta realidade tem qualquer coisa a ver com a fé cristã? Suponhamos,
por um momento, que alguns desses novos cultos não reflitam muito bem a fé ou o
culto cristão. A pergunta, então, é simples: Qual é a razão de tê-los? Por que se
dar ao trabalho? Mesmo que enchêssemos a igreja de pessoas
que estão buscando algo, o que ganhamos? Na realidade, o que perdemos? E se, ao
oferecer religião popularizada como um canapé para os descrentes, estragarmos o
seu apetite pelo verdadeiro alimento? Suponha que seu filho de dez anos não
goste do menu saudável que você oferece para o jantar, por isso você arranja
uma refeição- canapé para ele na qual oferece umas inofensivas batatinhas
fritas. Você faz isso a fim de moldar seu gosto por batata assada. Pergunto-me
quantas vezes isso funcionaria.
Assim,
por um lado, sempre que os novos cultos não representarem fielmente o
cristianismo, é difícil saber por que alguém os desejaria. Por outro lado, se
as mudanças populares, pelo menos em suas formas mais agressivas - se as
mudanças de fato representam uma versão contextualizada da fé cristã histórica,
então vamos ter de enfrentar o fato de que a fé cristã é uma religião muito
diversa da que a maioria de nós aprendeu. Aprendemos uma religião que reconhecia criação, pecado e
graça, com a glória de Deus como o principal ingrediente e a felicidade humana
como um subproduto maravilhoso, embora não garantido. De fato, costumávamos
ouvir dizer que uma das principais formas para encontrar a felicidade é
renunciar ao direito a ela. "Aqueles que perderem a sua vida por minha
causa, encontrá-la-ão." Jesus diz isso na Bíblia, e o que Jesus diz ali
tradicionalmente tem significado bastante para os cristãos.
Suponhamos
que uma pessoa que esteja buscando algo saia de um culto do tipo que tenho
estado a descrever - digamos um culto bem reforçado desse tipo. Suponhamos que
ela saia e diga a si mesma: Agora entendo do que a fé cristã trata: não é de
lamentos, ou arrependimento, ou humilhar-se diante de Deus para receber o favor
de Deus. Nada tem a ver com uma porção de doutrinas maçantes. Não diz respeito
ao trabalho difícil e disciplinado de mortificar a nossa antiga natureza e
aprender a fazer nossos os propósitos de Deus. Não diz respeito aos inevitáveis
fracassos desse projeto, e à tremenda graça de Jesus Cristo que vem para que
possamos começar de novo. De jeito nenhum! Eu havia entendido mal! A fé cristã
diz respeito principalmente à celebração e ao divertimento e crescimento
pessoal e às cinco maneiras de melhorar minha auto-estima!
Minha
pergunta, mais uma vez, é simples: Como se impede essa conclusão? Ou, para
resumir por enquanto, façamos a pergunta de forma bem geral: Qual a
probabilidade de um Deus popular ser realmente Deus? Qual a probabilidade de um
Deus amigável repreender o pecado? Ou salvar pessoas com força transcendente e
inesperada? Ou ter de sofrer para fazê-lo? Ou nos chamar ao sofrimento e à
disciplina como também ao gozo e à liberdade? Entrementes, voltando à nossa
trilha principal, como podemos falar de pecado às pessoas, inclusive a nós mesmos
- pessoas que já não conseguem ouvir algumas de suas implicações?
Loucura: colorindo FORA DAS LINHAS
Uma boa
maneira de se obter vitória sobre o pecado é pensar nele como um tipo de
loucura. De fato, para qualquer de vocês que esteja fielmente buscando cultos
que preservem a continuidade real do cristianismo histórico, cultos que
realmente apresentam às pessoas a religião cristã e não algum substituto mais
popular - a vocês eu digo que biblicamente a loucura é uma ligação direta com o
pecado.
Naturalmente,
a tolice assume muitas formas. Pode, por exemplo, assumir a forma suave de uma
manchete de jornal inadvertidamente ambígua: "LADRÃO PEGA SEIS MESES NO
CASO DO VIOLINO"; "SERVIÇO DE ALIMENTOS DA FACULDADE DÁ COMIDA A
CENTENAS, ARRECADA MILHARES." Podemos encontrar a tolice em trânsito se
procurarmos os anúncios nos ônibus urbanos ou no metrô: "ANALFABETO?
ESCREVA HOJE PEDINDO AJUDA GRÁTIS!" (Richard Lederer, Anguished English).
Essas
pequenas tolices divertem, mas também instruem. Trocadilhos involuntários,
manchetes esquisitas, e outras desordens desse tipo na ponta tolerante do
espectro das tolices nos dizem que o descuido e outras desordens de falta de
atenção nos fazem entrar no reino da tolice. Quando ali chegamos, encontramos
todo um circo de prodígios - falta
de discernimento, por exemplo, como quando alguém vê o esporte como uma guerra,
ou vê a guerra como um esporte; quando alguém vê a religião como
entretenimento, ou entretenimento como religião. Num lapso rotineiro de
discernimento, escritores contemporâneos de ficção (o romance Damage de Josephine Hart é um bom
exemplo) - romancistas contemporâneos rotineiramente fundem amor, romance e
obsessão sexual, como se fossem a mesma coisa.
A tolice
inclui desatenção e falta de discernimento. Também, e mais geralmente, inclui
mau julgamento. Claro que mau julgamento pode atrapalhar o erudito tanto quanto
o ignorante. Não existe contradição alguma, disse C.S.Lewis, entre ser um
Mestre em Artes e um tolo. Alguns de nós já conhecemos pessoas que conseguem falar
cinco ou seis línguas, mas não conseguem dizer nada sensato em nenhuma delas,
inclusive a materna.
Mau
julgamento, falta de bom senso. Vêmo-lo sempre que pais tentam comprar o amor
de seus filhos. Vêmo-lo sempre que pais sentem alguma deficiência em si mesmos
e tentam fazer com que os filhos as supram. Seja na popularidade entre os
colegas, ou no atletismo, ou em ganhar dinheiro, ou realização intelectual,
pais que decepcionaram suas próprias expectativas geralmente as requerem em
dobro dos filhos. Então, quando os filhos resistem, esses pais sentem-se
magoados.
Mau
julgamento pode causar muito dano. Na última primavera, logo depois do
veredicto no caso da surra de Rodney King, o programa Today do canal NBC de
televisão entrevistou uma jurada que havia votado a favor da absolvição dos
quatro policiais acusados. Quando questionada, a jurada revelou o que
considerava ser a chave da absolvição. "Primeiro pensamos que a surra era
estarrecedora", disse ela, "mas depois começamos a perceber que se
Rodney King apenas tivesse feito o que lhe disseram, e saído do carro quando os
policiais ordenaram, e ficado deitado no chão, nada daquilo teria
acontecido."
Verdadeiro,
claro, mas brutalmente irrelevante. A jurada poderia da mesma forma ter
comentado que se Rodney King tivesse estado na Louisiana aquela noite, ou na
Faculdade de Odontologia, também provavelmente não teria sido surrado. A
questão é que o raciocínio dela teria absolvido os policiais mesmo que eles
tivessem simplesmente metido uma bala na cabeça de Rodney King assim que ele
hesitou. Eis aí um caso no qual o mau julgamento se distendeu ao ponto de
tornar-se injustiça.
Mau
julgamento, falta de discernimento, desatenção. Por causa do orgulho, os tolos
são incapazes de aprender. Eles sabem tudo. Não se lhes pode dizer nada. Como
ministros mal instruídos que são tanto vagos quanto dogmáticos, como cantores
desafinados que insistem em competir por solos, como o povo de Israel que
vagueia quarenta anos no deserto porque, já naquela época, os homens não se
dispunham a pedir orientação, os
tolos freqüentemente exibem uma das combinações mais espantosas da vida - a
teimosa combinação de ignorância e arrogância. Os tolos, como diz o ditado,
estão quase sempre no erro, mas nunca na dúvida. Ademais, quando seu dogmatismo
é desafiado, eles o aumentam.
Ora, as
Escrituras, como é sabido, falam muita coisa sobre a sabedoria e a tolice.
Sabedoria na Escritura, falando de modo geral, é o conhecimento do mundo de
Deus e a aptidão para encaixar-se nele. O sábio conhece a criação, conhece suas
fronteiras e limites, compreende suas leis e ritmos, discerne seus tempos e
estações, e respeita sua grandiosa dinâmica. Às vezes, os escritores da
sabedoria falam da criação física dentro desses aspectos, e às vezes da vida
social dos seres humanos, mas geralmente os princípios se aplicam às duas
situações. Assim, de modo geral, colhe-se o que se semeia. Essa é uma verdade
não apenas para a pessoa que numa tarde de setembro se dirige ao seu jardim com
uma cesta na mão; é verdadeiro também para pessoas importantes que são muito
respeitadas, e para pessoas hostis que descobrem a hostilidade voltando
diretamente para si.
Pessoas
sábias conhecem esta famosa lei do universo (colhemos o que semeamos) e agem de
acordo com ela. Ser sábio é conhecer a realidade e então acomodar-se a ela.
Deixamo-nos levar pelo fluxo. Rasgamos na linha perfurada. Não colhemos nenhuma
fruta antes do tempo.
Previsivelmente,
então, a tolice é um teimoso nadando contra a correnteza do universo.
Tolice é
cuspir contra o vento. Tolice é pintar fora das linhas.
Uma
dimensão da dificuldade na tolice é especulativa. Os tolos deixam de ver as
coisas. Segundo Provérbios, eles continuamente deixam de ver certas
características chaves da realidade - como estas (e agora estou parafraseando
Provérbios):
Quanto
mais se fala, menos as pessoas ouvem.
Se sua
palavra não valer nada, as pessoas não confiarão em você e então é inútil
protestar contra esse fato.
Se você
se recusar a trabalhar duro e se esforçar, é pouco provável que faça algo de
alguma conseqüência.
Gabar-se
de suas realizações não leva as pessoas a admirá-lo. Gabar-se é vaidade nos
dois sentidos da palavra.
Invejar
os ricos é inútil, e de qualquer forma fará apodrecer seus ossos.
Se você
coçar certas coceiras, elas apenas coçarão mais.
Essas
observações proverbiais são uma espécie de mapa topográfico para peregrinos. O
mapa faz parte do nosso “kit” de sobrevivência. Talvez a sua advertência central
seja esta: Se você
tentar encher o seu coração com qualquer coisa além do Deus do universo, vai
descobrir que seu coração vaza, que você está superalimentado mas subnutrido, e
que dia a dia, semana a semana, ano após ano você está emagrecendo até o ponto
de ser um mero contorno de ser humano.
Claro que
este tipo de coisa acontece o tempo todo. Pessoas famintas de amor, pessoas que
desejam "ligar-se", podem, por exemplo, inaugurar uma seqüência de
relacionamentos superficiais, interessados em outras pessoas superficiais e
interesseiras, e descobrir que no fim do dia estão mais vazias do que quando
começaram. O projeto todo foi tão fútil e desumanizador quanto as conversas em
Studs (Garanhões) ou The Love Connection (A Conexão Amorosa) - dois programas
de televisão que exploram a fossa da licenciosidade. Debaixo de toda a sua
aparente vivacidade, a tristeza desses programas é que eles reduzem seus
participantes a meras silhuetas de olhares maliciosos.
O tolo
está, falando no nível mais básico, fora de contato com a realidade. A tolice
é, nesse aspecto, a forma mais comum de loucura. É por isso, incidentalmente,
que o orgulho é uma tolice bem como um pecado. A pessoa orgulhosa, a pessoa que
é inchada com a própria importância (sendo essa, talvez, uma razão pela qual
mesmo a sua bicicleta de dois lugares tenha apenas um assento) - a pessoa
orgulhosa tornou-se totalmente irrealista. Ela não conhece o seu lugar. Não
conhece os seus limites. Superestimou o seu valor líqüido.
Assim,
uma parte do problema com a tolice é mental: o tolo é desatento, sem
discernimento, desligado. Ele não vê as coisas: fronteiras, divisas, limites.
Ele não nota o que acontece quando as pessoas os transgridem. Ou se chega a
notar, orgulhosa e tolamente assume que essas conseqüências não chegarão até
ele - como é o caso, por exemplo, dos dois terços de americanos que têm
múltiplos parceiros sexuais. Após tudo que já foi escrito, dito e mostrado a
respeito da loucura da promiscuidade - esses dois terços ainda rejeitam a
castidade e o chamado sexo seguro. Eles se protegem com nada mais adequado do
que o senso de invencibilidade dos tolos.
Portanto
uma parte do problema da tolice é mental. As outras duas partes seguem-se
naturalmente. Dado o lapso em sua conscientização da realidade, o tolo então
fala e age de maneira imprópria. Ele falará infindavelmente sobre questões
insignificantes, ou trivialmente das grandiosas. Um tolo, até mesmo etimologicamente, é
alguém cheio de vento. Ele zombará de Deus, mas louvará Murphy Brown. Venerará
a Madona errada. Dedicará sua vida a tornar-se o melhor jogador de fliperama do
município, respondendo a cada contestação à validade do seu programa com um
comentário de que o contestador deve estar com inveja.
De modo
geral, a prognose nesses casos não é boa. É difícil derrotar a tolice:
lembre-se de que você nada pode dizer a um tolo. Sua capacidade de enganar a si
mesmo e sua incapacidade de aprender muitas vezes prendem o tolo à sua tolice,
de forma que ele tipicamente precisa de muita ajuda externa para desprender-se.
Os cristãos crêem que ele precisa de ajuda sobrenatural.
O PRINCIPAL EVENTO NA TOLICE
Nessas
formas, a tolice em pensamento, palavra e ação naturalmente nos faz lembrar do
pecado. Nem toda tolice é pecado, mas todo pecado é tolice. O pecado tanto é errado
quanto burro, e burro porque é errado. O mal moral é destrutivo (e,
naturalmente, pode ser enfurecedor), mas é também de alguma forma ridículo - um
idiota serrando no sentido contrário à fibra do universo. O cristianismo na sua
forma mais simples, disse C.S.Lewis, nos obriga a crer que o Diabo é, a longo
prazo, um asno.
Seja onde
for que as tolices estejam em ação, o pecado é o evento principal. O pecado é o
mais impressionante exemplo de tolice do mundo. Os Provérbios geralmente nem se
dão ao trabalho de fazer a distinção entre pecado e tolice; eles acoplam a
sabedoria com a justiça e a tolice com o pecado de tal forma que a diferença
entre o julgamento da prudência e da moral aos poucos desaparece. (É neste
contexto, aliás, que no Sermão da Montanha Jesus é tão surpreendentemente duro
com aquele que chama de tolo a um irmão ou irmã. Chamar alguém de tolo é, com
efeito, consignar essa pessoa ao inferno, e Jesus está antecipando seu próprio
imperativo: Não julgueis para que não sejais julgados.)
O que existe
com relação ao pecado que o torna tão tolo? Pecado é a receita errada para a
boa saúde; pecado é a gasolina errada para a condução da sua vida; pecado é a
direção errada e a estrada errada se você quer chegar ao lar. Em outras
palavras, como toda tolice, o pecado é, em última instância, fútil.
O
orgulho, por exemplo, é fútil porque o amor à própria pessoa é tantas vezes não
correspondido. Ademais, o orgulho é sujeito ao efeito de tolerância, e à lei de
lucros decrescentes: quanto mais a pessoa se absorver consigo mesma, menos
encontra com que se absorver. É por isso que, na Cidade de Deus, Agostinho diz
que o orgulho na realidade degrada a pessoa. Ele realiza justamente o oposto do
efeito que ela desejava. Ao invés de buscar humildemente a Deus e, por assim
dizer, ser distendida e exaltada pela excelência de Deus, o orgulhoso como não
tem nada mais alto de que depender além de si mesmo, finalmente se afunda sobre
si mesmo, amontoando-se num pequeno chumaço.
O pecado
é tolo. Não importa a imagem que escolham, os escritores bíblicos falam isso
vez após vez. Pecar é errar o alvo; pecar é escolher o alvo errado. Pecar é
desviar-se do caminho, ou rebelar-se contra alguém forte demais para nós, ou
negligenciar uma boa herança. Acima de tudo, em seu cerne, pecado é ofensa
contra Deus.
Por que
não é apenas um erro como também uma tolice ofender a Deus? Deus é o nosso bem
final, nosso criador e salvador, o único em quem nossos corações inquietos vêm
descansar. Rebelar-se contra Deus, conforme expressou C.S.Lewis certa vez, é
serrar o galho em que estamos. Fugir de Deus para um país distante e procurar
ali o gozo é encontrar apenas substitutos do mercado negro.
Combine
todas as maravilhas e complexidades da criação; todas as graças da redenção;
todos os deleites e surpresas do amor; todas as belezas da música e das artes;
todo o poder e liberdade mesclados quando um concertista ao piano percorre
oitavas em tom fortíssimo ou um jogador de basquetebol faz uma dinâmica volta
na quadra; combine todas as tranqüilas garantias e sabedorias passadas ao longo
das gerações; cada ajuntamento de todas as raças e ambos os sexos vivendo em
harmonia com a criação não-humana; todas as profundas satisfações e realizações
da vida no mundo de Deus - combine tudo isso e chame de shalom. Shalom é o
plano arquitetado por Deus para a criação e a redenção; pecado é vandalismo
humano dessas grandiosas realidades e portanto uma afronta ao seu arquiteto e
construtor, e um estrago néscio do nosso próprio ninho.
Deus
odeia o pecado como pecado não apenas por quebrar a sua lei, mas por quebrar a
paz, por quebrar até as pessoas que o cometem. Pois não importa o que se queira
dizer a respeito da tolice do pecado, uma das coisas principais que se deve
dizer é que ele é autodestrutivo. É por isso que a queda é a primeira e
clássica tragédia. O pecado fere outras pessoas e consterna Deus, mas é também
uma forma de auto-abuso. As pessoas promíscuas, por exemplo, se embrutecem.
Como os mentirosos, elas se fecham às formas mais profundas de intimidade, aquelas
fundidas pela confiança. Como disse certa vez um dos meus amigos, "elas se
condenam à superficialidade social". As pessoas orgulhosas se isolam. O
orgulho aborta a própria possibilidade de amizade ou comunhão real. A inveja -
o desagrado com o bem de outrem e o comichão para despojá-lo desse bem - a
inveja prende e atormenta o invejoso, transformando-lhe a vida num inferno de
ressentimento.
Por ser
fútil; por ser vão; por ser irrealista; por estragar as coisas boas, inclusive
a própria pessoa, o pecado é uma forma primária de tolice. E, naturalmente, a
tolice tem suas modas. Esta é, de fato, uma das razões pelas quais a tolice é
tão tola. É tão tolo ter modas em tolice quanto tê-los em arrotos ou em
baratas.
VOLTANDO AO BÁSICO
Modas em
tolice nos anos 90. Falo de premissas morais e culturais como estas: que a
moralidade é simplesmente uma questão de gosto pessoal, que todos os silêncios
precisam ser preenchidos com a tagarelice humana ou com música de fundo, que
769 por cento dos norte-americanos são vítimas, que é melhor sentir do que
pensar, que os direitos são mais importantes do que as responsabilidades, que
desejos equivalem a necessidades, que é mais satisfatório ser invejado do que
respeitado, que é melhor para um político ou um pregador ser animado do que
veraz.
Uma
premissa realmente da moda e realmente generalizada é esta- o ego existe para
ser expressado e mimado, mas não disciplinado ou contido, e que autocontrole é
portanto algo para gente atrasada.
O Rev.
David H. C. Read, a quem a Faculdade Calvino tem a honra de receber este
fim-de-semana, fez certa vez uma notável distinção entre ser sábio e ser
sabichão. Uma tolice da moda é a cultura preferir os sabichões e os tratar como
celebridades, especialmente quando ser sabichões é a única coisa que fazem.
Considere, por um momento, quanta tinta é vertida, quantas opiniões de peritos
oferecidas, quanto tempo gasto com especulações acerca de mudanças na carreira
de gente como Jay Leno, David Letterman e John Gotti - três sabichões.
Tolices
da moda. Muitas delas refletem formas de criancice - uma irritação com
restrições, uma falta de prontidão em assumir responsabilidade, uma
indisposição para fazer coisas que não sejam divertidas, a idolatração dos
melhores atletas e palhaços da classe. Temos ouvido a respeito dessas coisas
por anos. Muitas delas frustram, ofendem e divertem, mas nenhuma pode ser
tranqüilamente ignorada. O motivo é estarem essas tolices da moda na nossa
televisão, nas nossas vidas, nas nossas igrejas, e algumas delas até mesmo no
nosso culto.
Como
restaurar? Voltando ao básico. Um time de basquetebol freqüentemente derrotado
retorna ao treinamento de posições e de passes. Um violinista fora de forma -
daquele que consegue tocar Bach desacompanhado ou com afinação ou então no
tempo certo - um violinista retorna a escalas e arpejos. Um marido e uma esposa
tentando escorar o casamento que desmorona podem ter de reaprender formas
elementares de cortesia de um para com o outro.
O mesmo é
verdadeiro para todos os supostos conquistadores da tolice. No que se refere à
falta de discernimento, à falta de disposição para aprender, presunção, e mau
julgamento em geral, a prescrição, naturalmente, é ganhar peso - isto é, ganhar
sabedoria. Mas assim como o peso, a sabedoria não pode ser adquirida de uma
hora para outra. Para qualquer um de nós que tenha estado fora do circuito da
sabedoria, o exercício é retornar ao princípio. E o princípio da sabedoria é o
temor do Senhor - aquela mistura de amor e respeito, aquele amor terrível que
sabe que não se pode zombar de Deus, que não se pode brincar com Deus, que sabe
não ser o principal projeto de Deus no mundo fazer-nos sentir bem. As pessoas
tementes a Deus sabem que Deus merece de nós as formas mais sacrossantas de
adoração e devoção que possamos aprender. É exatamente por o temor do Senhor
estar na base de toda a sabedoria que a perda do temor do Senhor em nosso culto
e em nossa vida conta como uma emergência.
Como
sabia C.S.Lewis ao caracterizar Aslã em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, Deus
é bom, mas Deus não é inofensivo. Deus é bom e terrível ao mesmo tempo. E é por
isso que somente um tolo descreveria um encontro com Deus como
"divertido".
Para a
década de 90, uma coisa que precisamos fazer é tirar a palavra pecado da
naftalina, começar a usá-la de novo, e usar com o sentido certo. A outra coisa
que precisamos fazer é retomar um pouco daquele temor do Senhor. O que é
preciso no culto, na linguagem religiosa e na consciência cristã é a
recuperação disciplinada da conscientização do pecado e da santidade de Deus. De
outro modo, o Evangelho da graça seria impertinente, desnecessário, e, em
última análise, desinteressante.
(Publicado
em O Presbiteriano
Conservador na edição de Maio/Junho de 1994)
Fonte: www.monergismo.com
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