Idéias Erradas Sobre Fé e Esperança
Johannes Pflaum
Há muitas pessoas que falam de sua fé e de sua esperança. Algumas delas,
no entanto, estão cientes de que há duas espécies de fé e de esperança. A fé e
a esperança, no sentido popular cristão têm um significado diferente da fé e da
esperança da Bíblia. A maioria das pessoas entende a fé e a esperança como
sendo uma grande probabilidade ou um desejo, porém, ainda contendo uma certa
dose de insegurança. Por exemplo, se um torcedor dissesse: “Creio que meu time
será campeão nacional”, significa dizer: “Não posso afirmar com certeza, mas
desejo que seja campeão”. Em condições meteorológicas duvidosas, quem sai para
caminhar em uma trilha deseja que o tempo permaneça firme, isto é, acredita que
haja sol no dia seguinte. No entanto, não sabe se de fato será assim.
Nesse sentido, há muitos que se consideram cristãos e crêem ou esperam,
no fim, alcançar o Céu. Eles não sabem ao certo, não têm certeza plena. No
entanto, crêem e esperam estar salvos, pensando: “Espero que no final da
história tudo acabará bem”.
A fé na Bíblia, porém, significa algo totalmente diferente. Da mesma
forma, a qualidade da esperança, mencionada na Palavra de Deus, é bem outra.
Quando a Bíblia fala em fé e esperança, significa uma certeza tal que não deixa
margem de insegurança ou para constantes dúvidas. Hebreus 11.1-2 nos mostra a
natureza da fé bíblica: “Ora, a fé é a certeza de coisas que se
esperam, a convicção de fatos que se não veem”. Essa firme convicção é
proveniente da Palavra de Deus e é concedida aos filhos de Deus através do
Espírito Santo.
Quando a Bíblia fala em fé e esperança, significa uma certeza tal que
não deixa margem de insegurança ou para constantes dúvidas.
A doutrina da Igreja Católica rejeita essa certeza até aos dias de hoje.
Por essa razão, nenhum católico sincero consegue obter a certeza da salvação e
a paz interior relacionada a ela. A Igreja Católica, no cerne da questão,
entende algo diferente a respeito de fé e esperança do que consta na Bíblia. O
Concílio de Trento, que foi realizado entre 1545 e 1563 com diversas
interrupções (Lutero morreu em 1546), oficializou a cisão entre a Igreja
Católica e a doutrina da justificação defendida pela Reforma. As doutrinas
promulgadas nesse concílio permanecem até hoje, basicamente, como a última
palavra da Igreja Católica, a qual as considera acima dos ensinamentos sobre fé
e justificação. Desejo, ainda, mencionar alguns artigos, extraídos do Decreto
de Trento, sobre a rejeição da certeza da salvação da parte de Roma. Ali lemos
que será “amaldiçoado” ou “excomungado”[1] todo aquele que crê nos ensinamentos
da Bíblia sobre salvação “somente pela fé”, bem como “somente pela graça” e a
certeza da salvação[2] envolvida. Relacionado com isso, também é rejeitada a
doutrina bíblica da eleição. Além disso, constam outras determinações, mesmo
sem a penalização de ser “amaldiçoado” ou “excomungado”:
Ninguém deve
penetrar tanto nos mistérios ocultos da predestinação divina, enquanto estiver
andando nessa vida mortal, a ponto de querer afirmar com certeza que ele esteja
incluído entre os predestinados, como se o justificado não pecasse mais ou,
mesmo havendo cometido pecados, pudesse se valer com certeza de uma conversão
anterior. Assim, sem uma revelação especial de Deus não podemos saber a quem
Ele escolheu.[3]
Com isso, a certeza do perdão dos pecados e a salvação pela fé em Jesus
Cristo e Sua obra redentora já consumada são rejeitadas.
Aquele que afirmar que a fé justificadora não é nada além da confiança
na misericórdia divina, a qual, pela vontade de Jesus Cristo perdoa pecados ou
que seja apenas com essa confiança que podemos ser justificados, esse seja
excomungado (maldito).[4]
Aquele que afirmar
que o homem pecador pode ser salvo somente pela fé e, com isso, entender que
não há necessidade de outro recurso para alcançar a graça justificadora e que,
para isso, de modo nenhum seja necessário providenciar algo ou se preparar por
esforço próprio, seja excomungado (maldito).[5]
Isso significa que, na ótica católica-romana, aquele que crê na
justificação somente pela fé em Cristo é maldito.
Aquele que afirmar... que o justificado não mereça um acréscimo em graça
por ter praticado boas obras, no poder da graça divina e dos méritos de Jesus,
de Quem é membro vivo, seja excomungado (maldito).[6]
Aquele que afirmar
que a justificação recebida não fica preservada por Deus e aumentada pelas boas
obras, mas que essas obras sejam apenas fruto e manifestação da justificação
alcançada e não o motivo de seu crescimento, seja excomungado (maldito).[7]
Isso significa, nada mais, que a graça depende de nossas boas obras e
nossa capacidade. Quem não acredita nisso, na ótica católica-romana, é maldito.
Tendo em vista que os dogmas de Trento contrastam totalmente com a justificação
somente pela fé em Jesus Cristo, eles nunca poderão proporcionar a certeza da salvação.
Quem consegue afirmar que já fez o suficiente para, de fato, merecer a graça? A
graça e o merecimento são contraditórios e se excluem mutuamente. A graça
conquistada por “merecimento” deixa de ser graça, já que, a partir da Bíblia, a
graça é exclusivamente resultado do agir imerecido de Deus para nós e em nós.
A graça e o merecimento são contraditórios e se excluem mutuamente.
Entre os artigos, que rejeitam explicitamente a doutrina da Reforma, os
de nº 14 e 15 falam sobre a justificação:
Aquele que afirmar que a pessoa é liberta de seus pecados e justificada,
fazendo-a crer em sua libertação e justificação ou, que ninguém é justificado
de fato se não crer que seja justificado; e que, somente através dessa fé será
totalmente liberto e justificado, seja excomungado (maldito).[8]
Aquele que afirmar
que a pessoa renascida e justificada é assegurada pela fé, levando-a a crer que
está, com certeza, incluída entre o número dos predestinados, seja excomungado
(maldito).[9]
O conhecido estudioso católico Johann Adam Möller (1796-1838) proferiu a
sentença:
Para mim seria
motivo de pavor estar junto com uma pessoa que afirmasse ter a certeza da
salvação; pois nenhuma pessoa poderia ser tão presunçosa. Isso seria renegar o
temor de Deus e, ao mesmo tempo, se intrometer no regimento soberano de Deus, o
Qual concederá a salvação a quem Ele achar digno, no Juízo Final.[10]
A mensagem da certeza do perdão dos pecados e da filiação a Deus é uma
característica especial do Evangelho Bíblico e da respectiva fé salvadora. Nenhuma
outra religião possibilita essa certeza. Mesmo a doutrina católica-romana não a
conhece. Por isso, a falta de certeza da salvação muitas vezes está relacionada
ao entendimento errado do Evangelho. A verdadeira certeza da salvação é
possível somente através da fé na Palavra de Deus e, juntamente com ela, na
obra redentora de Jesus Cristo. (Johannes Pflaum — )
Notas
1.
Observação: As palavras em Latim anathema sit, significam
“seja amaldiçoado”. São essas, exatamente, as palavras que o Apóstolo Paulo
usou em Gálatas 1.8-9 contra os proclamadores do evangelho falso.
2.
Deve ser registrado que tanto Lutero como Calvino ensinavam sobre a
certeza da salvação. Mesmo assim, eles se diferenciavam quanto à questão da
perseverança (perseverança significa: cada crente verdadeiro é mantido e
preservado por Deus até atingir o alvo escatológico). Enquanto Calvino ensinava
sobre a perseverança, Lutero a mantinha à parte da questão da certeza da
salvação. Por isso Lutero restringia a certeza da salvação para o momento. No
entanto, ele não a considerava no contexto da perseverança dos crentes até o
fim (Perseverança – ver comentário com indicação de fontes em W. Nestvogel, Erwählung
und/oder Bekehrung? Das Profil der evangelistischen Predigt und der Testfall
Martyn LLoy-Jones, (Eleição e/ou Conversão?, em tradução livre) Aachen
2002, p. 303-312). Essa divergência de opiniões, como a que havia entre Calvino
e Lutero, não deveria causar divisões entre os crentes que estão de acordo com
a questão da certeza da salvação. Nesse aspecto, deve-se observar que o
verdadeiro reconhecimento da graça de Deus e a perseverança nunca induzem para
uma vida superficial e autoconfiante de um discípulo de Jesus. Pelo contrário:
o reconhecimento bíblico da graça de Deus deixa claro para o crente que sua
salvação não depende dele mesmo, mas que está nas mãos de Deus. Isso, por sua
vez, o leva à total dependência do Senhor e de Sua graça. Assim, a doutrina da
perseverança corretamente entendida nunca leva o discípulo a uma vida
superficial, mas serve de forte motivação para a santificação prática. Quem, ao
contrário, negligenciar com o pecado e vive em autoconfiança e indiferença,
precisa se questionar se ele, de fato, alguma vez reconheceu sua real condição
bem como a graça da Deus.
3.
J. G. McCarthy, Das Evangelium nach Rom (O Evangelho
Segundo Roma, em tradução livre), CLV Bielefeld, p. 117-118.
4.
Op. Cit., p.
52
5.
Op. Cit., p. 52
6.
Op. Cit., p. 71
7.
Op. Cit., p. 74
8.
Ernst Buddeberg
& Lienhard Pflaum, Wie gelange ich zur Heilsgewissheit? (Como chegar à
certeza da salvação?, em tradução livre), Ed Missão Liebenzeller, p. 17.
9.
Lienhard Pflaum, Heilsgewissheit – Grund und Kraft der Nachfolge
Jesu (Certeza da Salvação – Motivação e Força para o Discípulo de
Jesus, em tradução livre), manuscrito não publicado, p. 13.
10.
Ernst Buddeberg
& Lienhard Pflaum, Wie gelange ich zur Heilsgewissheit? (Como chegar à
certeza da salvação?, em tradução livre), Ed Missão Liebenzeller, p. 17.
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